DANIEL V. MELIM
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obrigado
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ex-voto pintado dedicado a São Benedito, Angra dos Reis, Brasil, 1915
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Parede dos milagres no convento de São Bernardino de Sena, Angra dos Reis, Brasil, 1946
fotografia: Shultz. Arquivo Noronha Santos/IPHAN. Rio de Janeiro

Em 2013, iniciei em Salvador (Bahia, Brasil) o projeto obrigado. Nele, ofereço o meu serviço de fazedor de imagens à mão para as pessoas agradecerem algo que viveram. Os Riscadores de Milagres, prática trazida pelos colonizadores católicos portugueses para o Brasil, eram os pintores que junto aos santuários elaboravam imagens para os devotos agradecerem graças alcançadas. Um ex-voto é um objecto oferecido para cumprir uma promessa feita. Por vezes eram mesmo os próprios devotos que as pintavam estes ex-votos. Hoje, nos inúmeros santuários que têm salas de ex-votos a abarrotar de conteúdo, lado a lado com uma parafernália de outros objectos e mensagens votivas, as fotografias são o substituto total da pintura. Tanto quanto sei, apenas nalguns locais da América Central se continuam a pintar ex-votos.

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ex-votos pintados do Sec. XIX, Santuário de Nossa Senhora de Aires, Viana do Alentejo, Portugal
fotografia:
omelhoralentejodomundo.blogspot.pt/2015/02/ex-votos-no-santuario-de-n-sra-daires.html (2015)


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 sala de ex-votos do santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais, Brasil
fotografia:
projectoex-votosdobrasil.net (2016)

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sala de ex-votos do Santuário de Nossa Senhora das Candeias, Bahia
fotografia:
projectoex-votosdobrasil.net


O projecto tenta sair da esfera estritamente católica e milagrosa para aceder a um potencial eventualmente mais aberto desta tradição quase extinta de agradecer através de imagens pintadas à mão. Paradoxalmente, não conseguindo adesão espontânea ao projecto nas saturadas e disputadas ruas do centro de Salvador, foi junto à igreja do Senhor do Bonfim (santuário de referência de várias fés, não apenas da católica) que consegui os primeiros interessados. Mesmo aí, e contrariamente ao que era o meu preconceito antes de ir à Bahia, foi necessário ir ter com pessoas que passavam perto e empenhadamente tentar convencê-las do interesse destas pinturas. Somente em alguns casos tive sucesso. Os outros participantes foram pessoas que conheci no meio artístico.
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a única participante do dia na minha saída para o Largo São Salvador,
que veio por causa
da divulgação que o projecto teve no meio artístico local.
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tentando arranjar participantes junto à igreja do Senhor do Bonfim.
as fitas coloridas penduradas na grade são um símbolo do santuário que é amplamente reconhecido e usado em todo o Brasil.


A partir da conversa com o participante era elaborado um esboço para a imagem. Este esboço era revisto e ajustado com a pessoa no local, e combinado um local ou meio de entrega da pintura, assim como aquilo que serviria de troca. A pintura era realizada depois, em casa. Para instaurar uma transacção em que a influência do privilégio económico seja reduzido ao mínimo, a imagem era paga por troca directa (no Brasil chamada de “escambo”) com algo que a pessoa tenha ou faça.

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participante que estava em visita ao santuário do Senhor do Bonfim. troquei a imagem pelo envio de sementes de flores da sua região
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participante ligada ao meio artístico local. a troca não chegou a completar-se
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participante que trabalha como vendedor ambulante junto ao santuário do Senhor do Bonfim. troquei a imagem por uma oração no santuário
Contrariamente ao que escrevi no meu próprio ex-voto de agradecimento por ter conseguido ir à Bahia começar este projecto, não creio hoje que tenha reavivado sequer minimamente a tradição dos Riscadores de Milagres. Em qualquer caso, como poderia fazer tal coisa um europeu branco de classe média que apenas esteve alguns meses no Brasil e que tem trabalhado sobretudo dentro do fechado meio da arte contemporânea? O que se avivou, eventualmente, foi alguma compreensão minha das dinâmicas sociais, económicas e espirituais que estão em torno do fenómeno dos ex-votos. Avivou-se também a determinação em prosseguir uma prática de fazer imagens à mão que, embora por questões práticas funcione também dentro dos trâmites convencionais da arte contemporânea, esteja conscientemente empenhada em projectos que sirvam a dimensão afectiva e de aprofundamento das pessoas, e que o façam de maneira a romper o mais possível com os previlégios económicos, culturais e de classe que operam na economia dos projectos de imagens para pessoas.

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o meu ex-voto, que estava sempre junto a mim nas saídas à rua com o projecto
Acabei então por não colocar o meu próprio ex-voto no santuário. Voltou comigo para Portugal e acabei por ter de o vender a um comprador, por questões de subsistência financeira. Mas agradeço tudo e o projecto continua.

As imagens pintadas e casos apresentados em seguida não correspondem aos participantes cuja fotografia está aqui patente. Todas as descrições apresentadas são sínteses feitas por mim das palavras da pessoa e da interacção que com ela tive.
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tinta acrílica sobre papel, 31 x 42 cm

Agradecimento por ter conhecido e ter estado junto a uma pessoa que já morreu. Passaram muito tempo juntos em dois bancos públicos de cimento que ficam do a lado, e a sua relação estava marcada por um momento significativo que ambos viveram junto ao mar. A participante no projecto mantém desde essa época até hoje o hábito de usar uma bracelete de pano. Tal como ela, a outra pessoa usava uma bracelete. A dele tinha picos de metal.
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tinta acrílica sobre papel, 31 x 42 cm

Agradecimento por um momento de vida em que muitas coisas boas confluíram no nascimento de uma criança. Neste momento há algumas opções importantes a fazer, nomeadamente em termos profissionais, alguns caminho possíveis a seguir.

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tinta acrílica sobre papel, 31 x 42 cm

Agradecimento por uma cura ocorrida durante um ritual de ayahuasca. A pessoa que o guiou nessa sessão usava uma tiara na qual estava presente a estrela de David. Durante a sessão nocturna, uma entidade derramou um líquido luminoso na boca da pessoa. Esse foi um momento determinante da sua vida, pois nos seis meses anteriores àquele momento esteve viciado numa substância pesada.

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tinta acrílica sobre tela, 50 x 40 cm

Agradecimento antecipado por uma cura ainda por acontecer, relativo a um problema de saúde muito exigente.

fotografias: Paula Katharina Rylands, Carolina Lima Leite e Daniel Vasconcelos Melim
filmagem: Paula Katharina Rylands

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